Batizado de “A economia de Francisco” (EoF, na sigla em inglês), o movimento surgiu após um convite do papa, que pedia que as novas gerações criassem uma economia mais inclusiva e globalizada. Hoje presente em mais de 20 países, inclusive o Brasil, o movimento “A economia de Francisco” trabalha para investir em empreendimentos e pesquisas que acelerem o desenvolvimento de um sistema econômico que prioriza a dignidade humana, a justiça social, a paz e o respeito ao meio ambiente. Entenda nesta reportagem: ‘Deus é brasileiro’, ‘eis-me aqui’… mensagens do papa Francisco Como surgiu “A economia de Francisco” “Caros amigos, escrevo para convidá-los para uma iniciativa que tanto desejo. Um evento que me vai me permitir encontrar jovens homens e mulheres que estudam ou interessados em uma economia diferente — uma que gera vida e não mata, que inclui e não exclui, que humaniza e não desumaniza, que cuida do meio ambiente e não o saqueia. Um evento para nos ajudar a nos encontrar, a estar juntos e a fazer um ‘pacto’ para mudar a economia de hoje e dar alma à economia de amanhã.” Com essas palavras, enviadas do Vaticano em 1° de maio de 2019, o papa Francisco iniciava uma carta convidando todos os jovens católicos interessados em pensar em uma forma diferente de fazer economia. O convite era para um encontro com o próprio papa e outros profissionais experientes da área econômica na cidade de Assis, na Itália, para discutir, entre outros pontos: novos entendimentos sobre a economia e o progresso;o combate à cultura do desperdício;formas de dar voz aos desassistidos;propostas de um novo estilo de vida, guiado pela respeito à natureza e ajuda aos mais pobres. O evento foi adiado devido à pandemia de Covid-19, mas o convite foi suficiente para iniciar o movimento. Milhares de jovens estudantes, economistas, pesquisadores e empreendedores de várias partes do mundo se reuniram em eventos online ao longo de três anos, iniciando pesquisas e apoiando projetos pessoais e coletivos que acelerassem a implementação dessa nova economia. Em setembro de 2022, o encontro presencial finalmente aconteceu, e os jovens assinaram um pacto com o papa, comprometendo-se a transformar suas próprias relações com o sistema e o futuro da economia em uma “economia do Evangelho”, que não financie guerras, combata a proliferação de armas e se coloque a serviço de todas as pessoas. “Uma economia que não deixe ninguém para trás, que reconheça e proteja o trabalho digno e seguro para todos, uma economia onde as finanças sejam amigas da economia real e do trabalho, uma economia que salvaguarde as culturas, as tradições dos povos, todas as espécies vivas e os recursos naturais da Terra”, determinou o pacto. (veja o texto completo mais abaixo) Papa Francisco se despedindo de jovens em evento do movimento ” A economia de Francisco” — Foto: Reprodução/The Economy of Francesco O que faz “A economia de Francisco” Desde a implementação do movimento, os participantes se dividem em três áreas principais: 📚 Educação e pesquisa;💼 Empreendedorismo;📍 Eventos locais e globais. 📚 A maioria dos projetos da comunidade estão na área de educação e pesquisa. O principal deles é o EoF Academy, uma rede internacional de jovens acadêmicos que oferece, anualmente, um plano de atividades educacionais e bolsas de estudo para pesquisadores de mestrado, doutorado e pós-doutorado interessados em se aprofundar nos pilares da economia de Francisco. A comunidade também realiza, anualmente, um curso de verão (na segunda metade do ano, por conta das estações no hemisfério norte). O EoF Summer School é um curso intensivo de poucos dias voltado para estudantes ou profissionais das áreas de ciências sociais e econômicas, abordando temas como comércio e lucros sob a perspectiva da nova economia. Ainda na área de educação, há o EoF School, uma escola online com aulas mensais em inglês para interessados de qualquer parte do mundo sobre temas econômicos a partir da visão da economia de Francisco. As aulas incluem palestras e atividades em grupo. 💼 Na área de empreendedorismo, a comunidade promove eventos e iniciativas para apoiar negócios alinhados aos pilares da economia defendida pelo movimento. Os participantes são incentivados e ensinados, por meio de aulas, palestras, workshops, mentorias e encontros de relacionamento com outros profissionais, a desenvolver seus próprios negócios nas regiões onde moram. O movimento busca parcerias com fundações, associações e atores privados para apoiar e investir na criação e expansão desses negócios, todos fundamentados nos pilares do movimento. 📍 Os eventos regionais e globais organizados pelo movimento buscam reunir jovens de diferentes territórios e religiões para conscientizar e transformar hábitos que podem ser destrutivos para uma economia mais justa e sustentável. Em 2025, por exemplo, haverá um evento global em novembro, com milhares de participantes discutindo formas de restaurar a economia para que ela possa “servir à vida das pessoas”, e não o contrário. Para isso, a organização convida os jovens do mundo inteiro a, entre abril e novembro, adotarem propósitos pessoais — como optar por bancos e negócios éticos e reduzir o consumismo — e realizarem caminhadas até locais em suas cidades que promovem um modelo financeiro que respeite a dignidade humana. Quais os pilares do movimento apoiado pelo papa São 12 os pilares que guiam as atividades do movimento “A economia de Francisco”: Políticas para a felicidade: a defesa pela possibilidade de a economia viabilizar momentos e espaços para as relações interpessoais e práticas que estimulem qualidade de vida e felicidade;Energia e pobreza: a defesa pela transição energética global para uma energia verde e limpa, com compartilhamento de tecnologias entre governos e empresas de países ricos e pobres para que todos tenham acesso;Vida e estilo de vida: a transformação no modo de consumir, adotando uma postura mais consciente que evite desperdícios, exageros e prejuízos ao meio ambiente;Negócios e paz: a condenação de “investimentos perversos”, que valorizem armas ou o lucro acima da vida das pessoas;Mulheres na economia: a inclusão de mulheres nos negócios, com acesso a educação e outras ferramentas para prosperar;Negócios em transição: o auxílio e incentivo para a transição de negócios já existentes em um modelo mais sustentável;Trabalho e cuidado: a defesa por uma cultura de trabalho que priorize a dignidade das pessoas, reconheça a contribuição de cada trabalhador, gere valor econômico compartilhado e elimine a pobreza no trabalho;CO2 e desigualdades: o incentivo a estudos sobre as melhores formas de conduzir negócios e a economia de forma a proteger a humanidade de forma integral;Gestão e doação: a defesa por um estilo de liderança que valorize as pessoas acima da “supremacia” de alguém;Vocação e lucro: o auxílio aos jovens que buscam entender qual sua vocação para o trabalho e como conseguir uma boa vida financeira a partir disso; Agricultura e justiça: a criação e apoio para projetos agrícolas que promovem acesso à terra e comida para todos;Finanças e humanidade: a defesa pela conversa com mercados financeiros para a promoção de negócios que favoreçam o desenvolvimento humano de forma integral para todos. O que dizia Francisco sobre economia, comunismo e o papel da Igreja A escolha do nome Francisco como sua alcunha como papa revela a visão do argentino Jorge Mario Bergoglio sobre dinheiro e economia. Membro da ordem religiosa dos Jesuítas, que também pregam o voto de pobreza, o papa Francisco escolheu homenagear o santo que renunciou às riquezas e propriedades de sua família para servir a Deus e aos mais pobres. Francisco nunca escondeu sua visão sobre as questões econômicas da Igreja e do mundo. Logo no início de seu papado, em julho de 2013, Francisco disse que “dói ver um padre ou uma freira com um carro de último modelo” e defendeu que “eles precisam cumprir seu voto de pobreza”. “(São) Francisco era um homem pobre. Como eu gostaria que a Igreja fosse pobre… e para os pobres”. Ao convocar os jovens para “criar uma nova economia”, iniciando o movimento “A economia de Francisco”, o papa defendeu que a economia deveria gerar vida, e não matar. Em outro evento de finanças, o “Diálogos por uma Finança Integralmente Sustentável”, o pontífice disse que “o dinheiro deve servir, não governar”, referindo-se aos países governados por interesses financeiros, e não sociais. “Uma reforma financeira que não ignore a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitude por parte dos líderes políticos”, afirmou. A defesa por uma economia mais justa, do ponto de vista social, continuou até seus últimos meses de vida. No livro autobiográfico “Vida. A Minha História na História”, lançado em 2024, Francisco — que foi taxado e questionado em diversas ocasiões sobre ser comunista — escreveu que “falar dos pobres não significa automaticamente ser comunista” e que “os pobres são a bandeira do Evangelho e estão no coração de Jesus”. “Nas comunidades cristãs se partilhava a propriedade: isto não é comunismo, isto é cristianismo puro!” Em setembro do ano passado, Francisco realizou uma homilia marcante sobre a pobreza e o comunismo, afirmando que é necessário estar atento aos mais pobres e vulneráveis porque é o que a própria Bíblia ensina. “E isto não é comunismo, é puro Evangelho! Não é o Papa, mas Jesus, que os coloca no centro, nesse lugar. É uma questão da nossa fé e não pode ser negociada. Se não aceitardes isto, não sois cristãos!” O papa também disse que todos dependem dos pobres, “até os ricos”, e criticou a especulação dos mercados financeiros. “Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e, em última análise, problema algum. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. O pacto para “A economia de Francisco” Leia o texto integral do pacto assinado entre o papa Francisco e os jovens do movimento: “Nós, jovens economistas, empreendedores e agentes de mudança, convocados aqui em Assis, de todas as partes do mundo, conscientes da responsabilidade que recai sobre a nossa geração, comprometemo-nos hoje, individualmente e coletivamente, a viver a nossa vida para que a economia de hoje e de amanhã se torne uma economia do Evangelho e, portanto: uma economia de paz e não de guerra;uma economia que se oponha à proliferação de armas, especialmente as mais destrutivas, uma economia que se preocupe com a criação e não a utilize indevidamente;uma economia ao serviço da pessoa humana, da família e da vida, respeitosa com cada mulher, homem e criança, os idosos e especialmente os mais frágeis e vulneráveis;uma economia onde o cuidado substitui a rejeição e a indiferença;uma economia que não deixe ninguém para trás, para construir uma sociedade em que as pedras rejeitadas pela mentalidade dominante se tornem pedras angulares;uma economia que reconheça e proteja o trabalho seguro e digno para todos;uma economia onde as finanças sejam amigas e aliadas da economia real e do trabalho e não contra eles;uma economia que valoriza e salvaguarda as culturas e tradições dos povos, todos os seres vivos e os recursos naturais da Terra;uma economia que combata a miséria em todas as suas formas, reduza a desigualdade e saiba dizer como Jesus e Francisco: “Bem-aventurados os pobres”;uma economia guiada por uma ética da pessoa humana e aberta à transcendência;uma economia que crie riqueza para todos, que gere alegria e não apenas riquezas, porque a felicidade que não é compartilhada é incompleta. Acreditamos nesta economia. Não é uma utopia, porque já a estamos construindo. E alguns de nós, em manhãs particularmente ensolaradas, já vislumbramos o início da terra prometida.”