Como Brasil se tornou 5º maior mercado de bets no mundo

Como Brasil se tornou 5º maior mercado de bets no mundo

As projeções, feitas com base nos relatórios financeiros de companhias abertas e em informações disponíveis sobre os valores movimentados no setor, colocam os Estados Unidos em um distante primeiro lugar, com receita líquida (descontados impostos) estimada de US$ 17,312 bilhões, seguidos por Reino Unido (US$ 9,901 bilhões), Itália (US$ 4,617 bilhões) e Rússia (US$ 4,515 bilhões). Os números dialogam com as estatísticas da Secretaria de Prêmios e Apostas, que recentemente divulgou que as 78 empresas hoje autorizadas a operar no país faturaram R$ 17,4 bilhões no primeiro semestre de 2025. Essa é a primeira vez que o Brasil é considerado na lista de maiores mercados da Regulus Partners, já que até 2024 não havia regulamentação para a operação das bets no país. Veja os vídeos em alta no g1: Veja os vídeos que estão em alta no g1 Mesmo sem dados precisos de anos anteriores, Paul Leyland, especialista da área de modelos econômicos, financeiros e de negócios em jogos de azar da consultoria, destaca o crescimento agressivo do mercado brasileiro na última década, que era estimado em apenas US$ 300 milhões em 2014. “O impulso maior veio especialmente com os lockdowns na pandemia de covid-19”, ele comenta. Mas não foram só as medidas de isolamento social. Uma série de fatores se combinaram para colocar o Brasil entre os cinco maiores mercados para bets no mundo. A proibição histórica dos jogos de azar, a abertura do brasileiro a novas tecnologias e ao consumo digital, a longa janela entre a legalização e a regulamentação das apostas online, a ofensiva de marketing das empresas e até o sucesso do pix estão entre os fatores elencados pelos especialistas e fontes do setor ouvidas pela reportagem. Da lotérica à tela do celular As apostas online foram legalizadas no Brasil em 2018, mas a regulamentação só veio em 2024. Por sete anos as empresas do setor operaram praticamente sem regras, ressalta o economista Victo Silva, pesquisador no Centro de Desenvolvimento Internacional da Harvard Kennedy School. Nesse intervalo, na avaliação de Silva, as bets colocaram em prática um arsenal de estratégias para atrair apostadores sem nenhum tipo de controle. Com isso, transformaram o Brasil em uma espécie de “laboratório da economia comportamental”, em uma referência à área que estuda a influência de fatores cognitivos, emocionais e sociais nas nossas decisões financeiras. Ele cita como exemplo a própria experiência de consumo nos sites de apostas, uma jornada muito mais recreativa do que a de quem vai à lotérica. Na tela do celular, um cardápio extenso de apostas em eventos reais e fictícios se apresenta em meio a diversos mecanismos de incentivo, alertas de bônus, convites para “missões”, recompensas e joguinhos de cassino. O ambiente não é só convidativo, ele também é intuitivo, para tornar o caminho do usuário até a aposta o mais fácil possível. “[As empresas de apostas online] criaram plataformas onde apostar é simples. No jargão econômico, os custos de transação foram removidos. Você não precisa ir até a lotérica, você faz do sofá de casa, tirando o celular do bolso”, diz Silva à reportagem. O pix também entra nessa lógica. O sistema de pagamentos instantâneo e sem custo lançado em 2021 pelo Banco Central contribuiu para tornar a atividade de apostar muito mais direta. Em países como a Colômbia e o México, por exemplo, muitos apostadores fazem o depósito e retiram o prêmio em dinheiro vivo, em um estabelecimento físico, conta Antonio Forjaz, diretor-geral na América Latina da Entain, dona da Sportingbet. Nesses casos, a aposta online tem uma etapa offline, o que na prática vira um obstáculo na jornada do apostador. “Na Colômbia, por exemplo, existem depósitos que são feitos meio que em banca de jornal, em lojinhas, sabe? Aqui é diferente, tudo é pix, é tudo instantâneo”, pontua o executivo, comentando que o alto nível de bancarização da população e o ecossistema de pagamentos digitais consolidado fazem do Brasil um local mais seguro para operar. Segundo ele, o país é hoje um dos mercados mais importantes para a Entain, multinacional britânica. “É tipo os EUA, um país de alto crescimento e muito foco [por parte da empresa], por já ter uma receita considerável e porque acredita-se muito no potencial”, afirma. André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) e sócio-diretor da Betsson, acrescenta que, além do nível elevado de bancarização, o brasileiro é muito mais aberto a novas tecnologias, a “consumir a partir do digital”. “E essa é uma indústria que está toda digitalizada”, comenta. Outro fator que, na visão do executivo, também explica o crescimento das apostas online no Brasil é o longo histórico de proibição de jogos de azar no país, que criou uma espécie de demanda reprimida nesse segmento. “O Brasil tem um regime de proibição quase total de jogos de azar há mais de 80 anos. Na hora em que aparece uma alternativa de jogo, de entretenimento com essas características que está no seu telefone, no seu bolso, a pessoa fala: ‘Nossa, que legal! Nunca tinha visto isso'”, pontua Gelfi. Brasil, o país das bets (e do futebol) A publicidade ostensiva e disseminada também é um componente importante, conforme as fontes ouvidas pela BBC News Brasil. Antes desconhecidas, as marcas das empresas de apostas hoje aparecem para os brasileiros com grande frequência. Elas estão nas camisas de jogadores de futebol, em camarotes de Carnaval, nas redes sociais, nas páginas de influenciadores e até em ônibus municipais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Esse movimento, na avaliação do economista Victo Silva, ajudou a “normalizar” a atividade de apostar e as próprias bets. Na perspectiva das empresas, Forjaz pontua que, em um mercado em que os produtos têm pouca diferenciação, como é o caso do de apostas, a publicidade é uma estratégia para se fixar na memória dos consumidores em potencial. E, nesse sentido, o futebol tem atuado como um dos maiores impulsionadores das bets com um papel duplo, como veículo de publicidade e objeto das apostas. Nos últimos anos, as empresas de apostas despejaram centenas de milhões de reais no campeonato brasileiro de futebol. Entre os 20 times que hoje estão na série A do Brasileirão, 18 exibem marcas de bets na camisa. Os cinco maiores contratos de patrocínio somam mais de meio bilhão de reais, conforme os valores noticiados recentemente pela imprensa esportiva. No topo da lista está a Betano, com patrocínio de R$ 220 milhões ao Flamengo. A marca pertence à multinacional Kaizen Gaming International, com sede na Grécia, que declinou o pedido de entrevista feito pela reportagem. Depois vêm a romena Superbet (R$ 113 milhões ao São Paulo), a brasileira Esportes da Sorte (R$ 103 milhões ao Corinthians), a Sportingbet (R$ 100 milhões ao Palmeiras) e a brasileira H2Bet (R$ 60 milhões ao Atlético Mineiro). O investimento traduz uma afinidade que, para as empresas do setor, foi sempre muito clara: o brasileiro adora futebol e o esporte é o universo que concentra maior volume de apostas — logo, fazia sentido mergulhar nesse mundo. Deu certo. Agora, além de torcer, de cornetar a arbitragem e comentar a rodada na segunda-feira, o brasileiro palpita na bet sobre resultado de jogo, saldo de gols e aplicação de cartões. Proibir, liberar e o meio-termo Vozes como a do economista Victo Silva, entretanto, são críticas a esse casamento. Com base nos próprios princípios da economia comportamental, ele argumenta que, como o futebol é algo enraizado na sociedade brasileira, a conexão com o esporte tende a “legimitar” a atividade de apostar. Em sua visão, isso é o oposto do que o país deveria estar buscando neste momento, diante do problema crescente do vício em apostas e do comprometimento da renda de muitas famílias com a atividade, o que o economista chamou de “betização da renda das famílias” em um texto publicado durante a discussão sobre a regulamentação no ano passado. Uma análise técnica divulgada pelo Banco Central nessa época apontou que cinco milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família haviam enviado dinheiro a empresas de apostas usando o pix. Os dados levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar a restrição ao uso de recursos de programas assistenciais para apostas online, medida implementada neste mês de outubro pela Secretaria de Prêmios e Apostas. “Quando você quer que a população pare de fumar, por exemplo, você não facilita um mecanismo que bota um maço de cigarro no bolso das pessoas, sem esforços. Você coloca travas, regula”, ressalta Silva. A comparação com o ato de fumar não é gratuita: a publicidade de marcas de cigarro em eventos esportivos foi proibida no Brasil em meados dos anos 1990. Para o economista, as apostas são, assim como o cigarro, produtos conhecidos no jargão econômico como “bens tentadores”, cujo consumo deveria ser desincentivado. O que não significa proibir, ele diz, já que a proibição acaba sendo contornada e abre espaço para um mercado ilegal com efeitos também bastante negativos para a sociedade. A solução, ele completa, seria encontrar o meio-termo, com políticas públicas que desincentivem as apostas — o que, na visão dele, por ora tem ficado fora do radar do governo. “As bets fizeram o dever de casa em termos de compreender a economia comportamental. Entendem muito como explorar as nossas tendências, vieses, fraquezas, comportamento de manada, legitimação social”, comenta Silva. “Isso passou bastante longe, por enquanto, de uma tentativa de regulação mais responsável [por parte do governo]”, completa. A regulamentação hoje em vigor proíbe a publicidade que tenha como alvo crianças e adolescentes. Desde 2023 tramita no Congresso um projeto de lei que propõe uma lista de restrições mais duras, incluindo a proibição de anúncios com atletas, artistas, influenciadores e outras figuras públicas. O PL foi aprovado no Senado em maio de 2025 e atualmente encontra-se parado na Câmara. Para André Gelfi, do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade que reúne empresas por trás de 24 marcas de bets, essa discussão é “prematura”. Seu argumento é de que ainda existe um grande mercado ilegal de apostas online e que a publicidade ajudaria a canalizar a demanda para as empresas que atuam legalmente e estão devidamente registradas. Forjaz, da Entain, expressa visão parecida, acrescentando que no mercado ilegal “não há verificação de identidade, proteção contra lavagem de dinheiro, verificação de utilização por menores, nenhum tipo de compromisso de comunicação nem pagamento de imposto”. Sobre a relação com o futebol, o executivo afirma que os recursos injetados pelo setor no esporte têm ajudado o futebol brasileiro a se desenvolver. “Então, se tirarmos do futebol, vai ter a vantagem de não aparecer tanta marca para as pessoas? Talvez. Vai ter uma desvantagem muito clara, que os clubes não vão continuar a se desenvolver como têm se desenvolvido”, completa Forjaz.

Postagens relacionadas

Cai de 51% para 37% uso de internet nas escolas por adolescentes

EBC publica resultado da etapa de habilitação de Seleção TV Brasil

MP e Polícia Civil deflagram ação contra lavagem de dinheiro do PCC