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Existem motivos econômicos por trás do plano de Trump para controlar Gaza?

por Redação
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Com sua confiança característica, Trump disse aos jornalistas que os palestinos adorariam os lugares que ofereceria a eles — uma vez que fossem retirados de Gaza. E o motivo desta confiança? Trump “conhece bem o setor imobiliário”, e tem sido “muito bem-sucedido” na área. Esta abordagem pode parecer muito distante dos métodos tradicionais que marcaram a política dos EUA no Oriente Médio por décadas — políticas que, apesar de fornecerem apoio significativo a Israel, adotaram com base a solução de dois Estados para lidar com o conflito entre israelenses e palestinos. Mas isso não é necessariamente surpreendente, considerando a trajetória de Trump como um empresário que vê muitos assuntos pelas lentes do desenvolvimento e dos investimentos. Agora, ele parece querer aplicar esta abordagem a uma das questões mais complexas da região. Será, então, que há motivações econômicas por trás do plano de Trump? Quais são os potenciais econômicos de Gaza para investimento? E será que existe um futuro para uma economia próspera em Gaza independente da visão de Trump? Trump fala em comprar e tomar posse da Faixa de Gaza Trump: tino para oportunidades de negócio Trump recebeu uma isenção fiscal de 40 anos para transformar o Commodore Hotel no luxuoso Grand Hyatt em Manhattan — Foto: Getty Images via BBC Trump começou sua carreira como incorporador imobiliário em Nova York na década de 1970, quando o Estado (de Nova York) enfrentava a ameaça de falência devido aos gastos públicos excessivos e à queda na receita tributária. Naquela época, Trump descobriu uma oportunidade rara — e barata — de adquirir o famoso Commodore Hotel, renová-lo e transformá-lo no Grand Hyatt, que se tornou símbolo da transformação pela qual Manhattan passou. O distrito passou de uma área com dificuldades econômicas para um dos lugares mais ricos do mundo. Trump obteve enormes isenções fiscais do Estado de Nova York como parte do acordo, o que lançou seu nome como um dos principais players do setor imobiliário do Estado. A partir daí, ele construiu um império econômico que incluía investimentos em imóveis, hotéis, resorts e entretenimento. Embora esse império tenha contribuído para o desenvolvimento de bairros pobres em alguns Estados dos EUA e criado inúmeras oportunidades de emprego, sua ascensão foi ofuscada por acusações de fraude, exploração de mão de obra e desalojamento de moradores de baixa renda de suas áreas. A autora americana Gwenda Blair, que escreveu The Trumps: Three Generations That Built an Empire (“Os Trump: três gerações que construíram um império”, em tradução livre), vê uma conexão entre a abordagem de Trump em relação a Gaza e a forma como ele alcançou a fama no setor imobiliário de Nova York há cinco décadas. “É claro que a cidade de Nova York não era uma zona de guerra na década de 1970, mas estava à beira do colapso, enfrentando a falência, o que teria sido desastroso”, diz Blair. Da mesma forma, ela acrescenta, “Gaza está vivendo uma catástrofe histórica de proporções inimagináveis”. Blair ressalta que a perspectiva de Trump, “aprimorada ao longo de 50 anos”, define sua abordagem a qualquer situação, seja ela relacionada a imóveis ou não. Ela é marcada por considerações fundamentais: “Como é possível obter lucro? Quais são os benefícios? Como podemos chegar lá? Se houver regras, como podemos burlá-las? E se houver obstáculos, como podemos superá-los?”. Trump confirmou que não vai tentar participar pessoalmente do desenvolvimento imobiliário de Gaza. Blair diz que o lucro que Trump pode querer obter com seu plano para Gaza “não precisa ser necessariamente um lucro financeiro direto”. O retorno da implementação do plano pode ser refletido no “imenso poder e senso de controle que ele vai demonstrar ao mundo”. ‘Inferno’ em Gaza Em contrapartida, Victoria Coates, que atuou como conselheira adjunta de segurança nacional durante o primeiro mandato de Trump, diz que o que Trump apresentou em relação a Gaza é um plano prático para a fase pós-guerra na região. “Houve muito barulho e conversas sobre esse assunto nos últimos quinze meses”, mas Trump é o primeiro líder a oferecer um plano para resolver a questão. Coates confirma que o plano de Trump é motivado pela terrível situação humanitária em Gaza, e por seu desejo de oferecer uma alternativa para a população de lá. De fato, Trump disse que Gaza é como o “inferno”, acrescentando que as pessoas de lá “não conhecem nada além de morte e destruição”, e que sua permanência na região se deve à falta de outra alternativa. As estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) sugerem que cerca de 69% dos edifícios da região foram danificados ou demolidos, com níveis de destruição considerados “sem precedentes na história moderna”. O custo da reconstrução é estimado em mais de US$ 50 bilhões, um processo que pode levar anos, de acordo com a organização internacional. Já o escritor palestino Ahmed Najar se recusa a interpretar o plano de Trump como uma tentativa de salvar o povo da Faixa de Gaza da terrível situação na região, dizendo: “Devemos pensar sobre quem transformou Gaza em um inferno”. Najar acredita que “os Estados Unidos ajudaram Israel a transformar Gaza em um inferno, fornecendo armas e apoiando incondicionalmente (o país)”. Para o escritor, o plano de Trump de retirar quase 2 milhões de palestinos de Gaza representa um plano de “limpeza étnica”. “Não há outra maneira de descrever isso. Não importa como olhemos para isso, de uma perspectiva legal ou moral, o que está acontecendo é um plano de limpeza étnica para tentar forçar as pessoas a deixarem suas casas e terras”, diz ele. Já Victoria Coates, ex-funcionária do governo Trump, afirma que o presidente americano “nunca falou em forçar as pessoas a sair”, mas ela não fornece uma resposta à questão de como lidar com aqueles que se recusarem a deixar a região. Trump continua confiante de que os habitantes de Gaza vão querer sair, e vão ficar melhor nos locais que serão construídos para eles na Jordânia e no Egito, com “países vizinhos ricos” cobrindo o custo da construção. Até o momento, alguns países árabes estão tentando oferecer uma alternativa ao plano de Trump. O rei jordaniano mencionou, durante sua visita a Washington, que o Egito está trabalhando na preparação de um plano alternativo, que garanta a reconstrução da região sem desalojar seus moradores, de acordo com o Cairo. Enquanto aguardamos o anúncio dos detalhes do plano egípcio, continuam faltando detalhes no plano anunciado por Trump. A escritora americana Gwenda Blair acredita que a ausência destes detalhes é uma extensão da abordagem de “vendedor” que Trump usa para lidar com as questões que são apresentadas a ele, o que deixa espaço para voltar atrás no que disse ou reinterpretar o que disse de forma diferente. “Podemos ver esse estilo em muitas das declarações de Trump; elas nunca são totalmente claras, sempre há espaço para manobras e substituições, e elas são repletas de ideias chocantes, de modo que qualquer ideia menos (chocante) se torna aceitável.” Trump aproveitou a crise financeira que atingiu Nova York na década de 1970 para construir um império imobiliário — Foto: Harry Hamburg/NY Daily News via Getty Images Conflito entre israelenses e palestinos: uma disputa imobiliária? Mas aqueles que levam as declarações de Trump ao pé da letra ressaltam que os primeiros sinais do plano recém-anunciado surgiram há cerca de um ano por meio de seu genro Jared Kushner, que disse em um evento na Universidade de Harvard, nos EUA, que “as propriedades à beira-mar em Gaza poderiam ser de grande valor se as pessoas se concentrassem em fornecer meios de subsistência”, acrescentando que “do ponto de vista israelense, a população poderia ser retirada da área, e ela poderia ser limpa”. Gwenda Blair não descarta que o genro possa ter desempenhado um papel na elaboração do plano anunciado por Trump, já que Kushner “trabalhou no setor imobiliário e está muito interessado em fazer negócios na região”. Kushner, que descreveu o conflito entre israelenses e palestinos como “nada mais do que uma disputa imobiliária”, foi o arquiteto do “Acordo do Século” — que ficou conhecido como Plano de Paz e Prosperidade —, que Trump propôs nos últimos meses do seu primeiro mandato presidencial. O acordo, que foi rejeitado pelos palestinos, incluía incentivos econômicos e promessas de investimentos no valor de cerca de US$ 50 bilhões, mas sem garantir a eles um Estado palestino pleno. Samir Abu Madallah, professor de economia da Universidade Al-Azhar em Gaza, acredita que o interesse de Trump e de seu genro em Gaza não é necessariamente econômico. Ele afirma que o litoral de Gaza tem apenas 41 quilômetros de extensão, enquanto “há países na região com costas que se estendem por mais de 2 mil quilômetros”, que poderiam ser desenvolvidas e transformadas em resorts turísticos. De acordo com Abu Madallah, o plano de Trump para Gaza “está ligado à sua agenda política, que foi lançada durante seu primeiro mandato presidencial, e busca fornecer soluções econômicas às custas de soluções políticas e da soberania palestina”, que é uma questão imposta aos palestinos. No entanto, Victoria Coates, que trabalhou no governo Trump, sugere que “em vez de descrever o plano como uma limpeza étnica, os palestinos podem querer se envolver com ele ou sentar à mesa de negociações com uma nova proposta”. Ela lembra que a rejeição palestina ao “Acordo do Século” não impediu a assinatura dos “Acordos de Abraão” (a normalização das relações de Bahrein e Emirados Árabes Unidos com Israel), porque “outros países árabes decidiram não permitir que os palestinos tivessem um veto permanente nas políticas regionais”. Embora os palestinos tenham o direito de “rejeitar o plano de Trump para Gaza, como rejeitaram anteriormente o Plano de Paz e Prosperidade”, eles devem “considerar seriamente antes de rejeitar outra oferta de uma pessoa bem-intencionada que tenta fazer algo positivo para seu futuro”, ela acrescenta. Abu Madallah acredita, no entanto, que a suposição de resolver questões políticas por meio de incentivos econômicos é falha, ressaltando que “quando a Intifada al-Aqsa eclodiu em 2000, havia cerca de 200 mil palestinos trabalhando dentro de Israel” — e a eclosão da revolta ocorreu como resultado do fechamento dos horizontes políticos. “Se os problemas políticos forem resolvidos, isso vai levar à recuperação econômica, e não o contrário”, afirma o professor de economia. Ele não nega, no entanto, a dura realidade econômica que Gaza já vivia antes da recente guerra. Uma região em ebulição A agricultura era uma das principais fontes de renda na Faixa de Gaza — Foto: Derek Hudson/Getty Images Abu Madalla afirma que a riqueza mais proeminente da economia de Gaza é seu capital humano. Apesar da área de terra e dos recursos naturais limitados, a região tem altos níveis de escolaridade. A maioria da população é jovem e capaz de trabalhar, e muitos possuem habilidades técnicas, o que sugere o potencial para criar uma economia baseada no conhecimento na área. A Faixa de Gaza tem enfrentado desafios econômicos significativos desde que suas fronteiras foram traçadas no acordo de armistício entre o Egito e Israel após a guerra de 1948. Naquele ano, cerca de 250 mil refugiados palestinos fugiram ou foram expulsos de vilarejos que se tornaram parte de Israel, fazendo com que a população de Gaza quadruplicasse em apenas alguns dias. Aqueles que já estavam dentro das fronteiras de Gaza perderam seus meios de subsistência quando suas terras agrícolas ficaram sob as novas fronteiras do emergente Estado de Israel. Durante a administração egípcia e mesmo após a ocupação israelense em 1967, a agricultura continuou sendo uma das fontes de renda mais significativas em Gaza, ao lado de algumas pequenas indústrias, como de alimentos, têxteis e de móveis. Mas o setor de serviços passou a dominar como a maior fonte de renda local. De acordo com relatórios das Nações Unidas, durante o controle israelense de Gaza, a economia se tornou cada vez mais dependente de Israel como principal mercado para mão de obra e produtos, em detrimento do desenvolvimento local genuíno. Essa dependência deixou Gaza vulnerável a flutuações políticas, restrições israelenses e tensões regionais contínuas que raramente diminuem. Um relatório de 2022 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento observou que a economia palestina foi estruturada de tal forma que se tornou altamente dependente da economia israelense, levando a graves perdas para a economia palestina. Mesmo após a retirada de Israel de Gaza em 2005, o país continuou sendo a força dominante na vida de seus moradores e no curso da sua economia, diz Abu Madallah. Ele cita, por exemplo, as restrições impostas por Israel à exportação de frutas e flores de Gaza após a Intifada de 2000, o fechamento do porto comercial de Gaza e o bombardeio de seu aeroporto, que tinha sido construído como parte dos Acordos de Oslo – e inaugurado com a presença do presidente americano Bill Clinton. Estas medidas, de acordo com Israel, foram justificadas por motivos de segurança. No início de 2006, foram realizadas eleições legislativas palestinas, que resultaram na vitória do Hamas, levando a uma crise interna que acabou causando a divisão atual entre a Cisjordânia, liderada pela Autoridade Palestina, e Gaza, cujo controle foi assumido pelo Hamas após batalhas com facções alinhadas à Autoridade Palestina, liderada pelo Fatah. Após o Hamas assumir o controle de Gaza, Israel aumentou suas restrições. O país fechou três das cinco passagens de fronteira que ligam Gaza ao exterior, impôs restrições às atividades agrícolas e pesqueiras e agravou ainda mais a terrível situação no território por meio de escaladas militares nos últimos 16 anos, além da devastação causada pela recente guerra. E as reservas de gás? Em 1999, a British Petroleum (BP) descobriu um campo de gás offshore a cerca de 30 quilômetros da costa de Gaza, chamado “Gaza Marine”. Eliy Rittgh, que dirige o programa de energia do Centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos, explica que o tamanho do campo é relativamente pequeno, estimado em cerca de 30 bilhões de metros cúbicos, em comparação com as reservas ao longo da costa israelense, que são estimadas em cerca de 1 trilhão de metros cúbicos. Rittgh acrescenta que o tamanho pequeno do campo levou a empresa que fez a descoberta a descartar a ideia de desenvolvê-lo devido ao alto custo da infraestrutura necessária para iniciar as operações de perfuração. No entanto, a situação mudou com a descoberta de enormes reservas de gás por Israel nos campos de Tamar (2009) e Leviathan (2010), nas proximidades. De acordo com Rittgh, a construção de infraestrutura subaquática para desenvolver esses campos se tornou economicamente viável. “Uma vez que a infraestrutura para os campos de gás israelenses foi estabelecida, o início do desenvolvimento do campo Gaza Marine se tornou mais viável. Em vez de construir seus próprios equipamentos de perfuração, plataformas de processamento e seu próprio gasoduto estendendo-se até a costa de Gaza — o que seria muito caro —, seria possível conectar-se à infraestrutura israelense, tornando o campo mais sustentável.” Mas, na época, Israel não concordou em permitir o desenvolvimento do campo, temendo que as receitas fossem para o Hamas, que já havia assumido o controle da Faixa de Gaza, explica Rittgh. Apesar das tentativas de retomar o desenvolvimento do campo em cooperação com o Egito e a Autoridade Palestina após o aumento dos preços do gás em decorrência da invasão russa na Ucrânia, nada aconteceu. O ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, seguido pela guerra, pôs fim a tudo, de acordo com Rittgh. Abu Madallah, professor de economia da Universidade Al-Azhar em Gaza, acredita que o pequeno tamanho do campo Gaza Marine torna improvável que o desejo de controlar o gás seja a força motriz por trás do plano de Trump de estender o controle dos EUA sobre a Faixa de Gaza. Gaza como porta de entrada para um Estado palestino Estima-se que quase 70% dos edifícios em Gaza foram danificados ou completamente destruídos — Foto: Anadolu Isso não anula a presença de motivações econômicas por trás do plano de Trump para Gaza, já que este vislumbra, segundo Abu Madallah, a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza em vez de oferecer a eles incentivos econômicos. O professor argumenta que o objetivo de controlar Gaza e separá-la da Cisjordânia é minar qualquer possibilidade de um Estado palestino independente com soberania sobre sua economia. Ele afirma que, se a Faixa de Gaza fosse integrada e retirada do seu isolamento, poderia se tornar uma porta de entrada econômica vital para um futuro Estado palestino. Isso poderia incluir o desenvolvimento do porto de Gaza para servir como um polo logístico, especialmente devido à sua localização geográfica vantajosa. Se esse projeto fosse implementado, as reservas de gás de Gaza poderiam atender às necessidades de gás de um futuro Estado palestino por cerca de 15 anos, o que permitiria algum nível de independência econômica. Tanto Abu Madallah quanto Rittgh concordam com isso. Abu Madallah não é o único a visualizar o papel econômico de Gaza como uma porta de entrada para um Estado palestino. Uma visão semelhante pode ser observada na iniciativa “Global Palestine, Connected Gaza”, um conceito desenvolvido por pesquisadores, economistas e empresários palestinos em 2021. Esta visão prevê que Gaza é uma região próspera baseada em uma economia do conhecimento, com uma rede de estradas, além de um porto e um aeroporto modernos. Também inclui o desenvolvimento do setor agrícola, sem ignorar o papel do setor de turismo. No entanto, a concretização desta visão enfrenta obstáculos significativos, principalmente a atual divisão palestina. Ainda assim, continua sendo uma visão que contempla Gaza prosperando nas mãos dos palestinos — não como um resort turístico esvaziado do seu povo para ser visitado por ricos do mundo todo.

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