A decisão anunciada pelo governo de Javier Milei, nesta quarta-feira (5), de que a Argentina vai sair da Organização Mundial da Saúde (OMS), gerou preocupação, dúvidas e é analisada sob diferentes óticas por especialistas em saúde.O governo argentino afirma que a retirada do país da OMS não terá impacto negativo porque o país não conta com financiamento direto para seus programas nacionais de saúde e que os projetos de cooperação técnica provêm da Organização Panamericana da Saúde (OPAS). E defende que, por isso, o ministério da Saúde de Milei não perderia capacidades operacionais.Preços das vacinasUma das principais preocupações é em relação ao Fundo Rotativo para Acesso a Vacinas, mediante o qual os países compram imunização a melhores preços. Como o fundo é administrado pela OPAS, que por sua vez atua como escritório regional da OMS, a futura provisão de vacinas gerou preocupação entre especialistas.“Ainda não temos noção do impacto de sair da OMS em um país em desenvolvimento como o nosso”, diz à CNN a infectologista Silvia González Ayala, que afirma ter sido, assim como diversos especialistas, pegos de surpresa com o anúncio. “A Argentina compra a maioria das vacinas através do Fundo Rotativo, então existe essa dúvida”, explica.Após diversas críticas, a vice-ministra da Saúde da Argentina, María Cecilia Loccisano, no entanto, negou que a Argentina cortará vínculos com a OPAS e afirmou que o acesso ao fundo para obter vacinas e ao de provisões estratégicas será mantido.“O calendário de vacinação está garantido e a cooperação internacional não será interrompida”, esclareceu, afirmando que o país não comprará insumos médicos mais caros.Reagentes e qualidade de diagnósticosOutra preocupação é a aquisição de reagentes fornecidos para laboratórios que são colaboradores da OMS na Argentina, como o Instituto Malbrán.“Isso afetaria uma grande porcentagem de exames nesses centros, e que em alguns casos, são os únicos do país que os fazem”, explica à reportagem Leonel Tesler, presidente da Fundação Soberania Sanitária e diretor do Departamento de Ciências da Saúde e Esporte da Universidade Nacional de José C. Paz.Para ele, a saída do país da OMS também poderia impactar, inclusive, na manutenção de controles de qualidade de diagnósticos e de abordagens terapêuticas.O ministério da Saúde de Milei, no entanto, afirma que a provisão dos reagentes e os controles de qualidade para os laboratórios e centros de referência nacionais em saúde continuarão em vigor.Apoio e financiamento da OMSDe acordo com a fundação argentina Soberania Sanitária, a saída da OMS implica a perda de apoio a programas contra doenças transmissíveis e não transmissíveis, de saúde mental e materno-infantil, além de vacinação, o que a médio prazo “afetaria diretamente dos serviços de saúde”.Já a Fundação Huésped, de combate a doenças sexualmente transmissíveis, postou em suas redes sociais que, saindo da OMS, a Argentina já não poderia contar com fundos de financiamento e mecanismos de apoio logístico no caso de emergências sanitárias e desastres naturais.“A OMS tem um papel importante para a coordenação de emergências sanitárias, no controle de surtos, na prevenção de doenças, na cooperação internacional e na promoção de transferência de tecnologia”, diz a fundação, citando o programa global de vacinação e de vigilância epidemiológica coordenado pela OMS em 1980 contra a varíola, que erradicou a doença.O ministro da Saúde da província de Buenos Aires, Nicolás Kreplak, por sua vez, se opôs a medida. Em uma publicação, ele afirmou que o país perderia colaboração internacional para capacitações, estudos científicos e análise de impactos epidemiológicos nas próximas epidemias e pandemias, e ficaria sem apoio financeiro para estratégias de prevenção e ação para imunizações.Isolamento internacional“A principal consequência da saída da OMS seria a Argentina ficar fora da coordenação internacional para abordar questões de saúde. Isso, diante de uma nova pandemia, faria com que o país ficasse desarticulado, assim como outros poucos que estão fora da OMS, do resto do mundo, e mais vulnerável”, diz.Analistas concordam que houve erros e que é possível fazer críticas ao desempenho da OMS na pandemia de Covid-19. Esse foi, inclusive, o principal argumento da administração Milei, que atribui à organização a quarentena de cerca de dois anos implementada na Argentina por Alberto Fernández, e suas implicações econômicas.Mas para Tesler, seria mais produtivo resolver os problemas de dentro da organização, em vez de abandoná-la.“A OMS é vital para a troca de informação entre os países e centraliza grande parte dessas informações, permitindo que depois cada país possa tomar suas decisões em termos de saúde pública de acordo com sua capacidade de ação. Esse fluxo, que é permanente e muito importante, seria interrompido”, conclui.“Se a Argentina sair, não vai acontecer nada”, avalia Hugo Luis Pizzi, diretor do Centro de Doenças Tropicais da Universidade Nacional de Córdoba. “Temos universidades grandes, que são brilhantes e os grupos, os comitês e as organizações científicas vão suprir isso e colaborar com tudo o que for necessário como sempre fizeram”, completa.Ele ressalta ainda que “todos se conhecem” no mundo científico da América Latina e do Caribe, e que existe muita conexão entre as universidades na troca de conhecimento. “Todos os centros de pesquisa vão continuar atuando sem nenhum tipo de problema, estamos em contato constante com universidades internacionais e centros de primeiro nível”.Argentinos na OMSAyala também ressalta que o anúncio gerou preocupação sobre o destino dos profissionais argentinos em comissões independentes da OMS. Segundo ela, somente na área de Doenças Infecciosas e Vacinas da organização, há quatro profissionais do país.“Não sabemos em que posição esses especialistas vão ficar. É uma situação complexa, e não há clareza sobre qual será o panorama com essa decisão”, diz.