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Reforma trabalhista aumentou informalidade ao enfraquecer sindicatos, diz estudo inédito

por Redação
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Mas um estudo inédito realizado por uma pesquisadora de doutorado da Duke University (EUA) revelou que, apesar de os salários do setor formal terem diminuído 0,9% nos anos seguintes à reforma, a contratação formal também encolheu 2,5%. Para chegar a esses resultados, a pesquisadora usou dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais, uma espécie de censo anual do mercado de trabalho formal no Brasil) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012 a 2021. A partir desses dados, a economista construiu um modelo computacional que compara o que aconteceu de fato depois da reforma trabalhista com o que teria acontecido se a política não tivesse sido implementada — o que é chamado nos estudos econômicos de contrafactual. O cálculo é feito dessa forma porque não basta olhar para os dados do mercado de trabalho antes e depois da reforma para entender como ela afetou o país, já que muitas outras coisas aconteceram ao mesmo tempo. O uso desta metodologia contrafactual permite isolar o efeito da reforma — ou de pontos específicos dela —, mantendo todas as demais condições sem alteração. “O que é surpreendente nesses resultados é que os trabalhadores formais ficaram mais baratos, seus salários caíram, mas o emprego formal também diminuiu”, observa Nikita Kohli, autora do estudo publicado em uma versão preliminar pelo blog Development Impact do Banco Mundial. Instigada por esse quebra-cabeça, a pesquisadora indiana — com estudos já realizados sobre os mercados de trabalho de Paquistão, Quênia, Brasil e Índia — decidiu olhar então para o que aconteceu com os trabalhadores informais nas empresas brasileiras. Ela encontrou um aumento de 6,7% na contratação informal no período posterior à reforma. No Brasil, são considerados informais os empregados sem carteira de trabalho assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores sem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Quem trabalha como Microempreendedor individual (MEI), por exemplo, fica fora dessa conta, pois tem um CNPJ. Ao fim de 2017, ano da aprovação da reforma trabalhista, a parcela de informais entre os ocupados no Brasil era de 40,2%, somando 37,1 milhões. Ou seja, esse grupo não tinha garantidos direitos previstos pela lei trabalhista brasileira (CLT), como férias remuneradas, controle de jornada, décimo terceiro salário ou recolhimento de FGTS. A título de comparação, nos países desenvolvidos, a média de informalidade era 18% à epoca, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Kohli constatou esse aumento da informalidade no Brasil num contexto em que os sindicatos perderam 97% de sua fonte de receita, devido ao fim da contribuição sindical obrigatória, também parte da reforma trabalhista. Através de sua metodologia, ela pôde analisar especificamente o efeito dessa perda de financiamento dos sindicatos sobre o mercado de trabalho brasileiro. Kohli diz que seu interesse em estudar o Brasil, além da qualidade dos dados públicos disponíveis, veio justamente da força dos sindicatos locais e da legislação trabalhista do país, que resultam em um sistema robusto de proteção aos trabalhadores, mas também que eleva custos de contratação para os empregadores. “Minha hipótese é que as empresas podem estar pensando: ‘Ok, os sindicatos desapareceram. Estes trabalhadores formais tornaram-se mais baratos, mas agora também é menos provável que sejamos inspecionados'”, diz Kohli, em entrevista à BBC News Brasil. Menos poder sindical, mais informalidade Pelas regras brasileiras, cada categoria de trabalhadores ou empresas tem um único sindicato que representa seus interesses em uma determinada região, geralmente um município. Tradicionalmente, os níveis de atuação e relevância desses sindicatos variam. Para entender melhor o possível papel do enfraquecimento dos sindicatos após a reforma trabalhista, Kohli dividiu sua análise em regiões e identificou aquelas com sindicatos com atuação mais ou menos fortes antes da lei. Para isso, ela observou o percentual de trabalhadores de cada região empregados em firmas que assinaram um acordo coletivo de trabalho — documento firmado entre sindicatos e empresas para regular direitos e condições de trabalho. Quanto mais trabalhadores estavam sob esse tipo de acordo coletivo, mais forte eram os sindicatos que haviam conseguido essa negociação. De posse desses dados, a pesquisadora avaliou a distância das regiões analisadas com relação aos escritórios de fiscalização do Ministério do Trabalho, localizados nas capitais e em alguns municípios — as Superintendências e Gerências Regionais do Trabalho, no passado chamadas de delegacias e subdelegacias. Esses órgãos são responsáveis por garantir o cumprimento das leis trabalhistas e proteger os direitos dos trabalhadores nas suas respectivas regiões. A distância importa, explica Kohli, porque os fiscais do Trabalho se deslocam dos escritórios até as empresas para realizar auditorias. Isso significa que a intensidade das inspeções é influenciada por essa distância — regiões próximas aos escritórios tendem a ser mais inspecionadas. Fiscais do Trabalho se deslocam de escritórios até as empresas para realizar auditorias e, por conta disso, regiões próximas tendem a ser mais inspecionadas — Foto: Divulgação/DETRAE Com todos esses aspectos em mãos, a economista comparou as regiões com sindicatos mais e menos fortes, antes e depois da aprovação da reforma. “A ideia é que, se a política não tivesse sido implementada, esses mercados de trabalho apresentariam tendências semelhantes”, explica a economista. “Mas, com a implementação da reforma, os mercados de trabalho com sindicatos fortes antes da reforma são mais afetados [pelo aumento da informalidade nas empresas] do que aqueles com sindicatos fracos, porque estes realmente já não tinham sindicatos [atuantes] lá para começar.” A hipótese de Kohli é que isso acontece porque, antes da reforma, os sindicatos fortes ajudavam a orientar a atuação dos fiscais do Ministério do Trabalho, fazendo sugestões de onde as auditorias deveriam ser realizadas, particularmente nas regiões mais distantes das Superintendências e Gerências Regionais. Mas, com a queda abrupta de receita após a reforma trabalhista provocada pelo fim da contribuição sindical obrigatória, as entidades tiveram de reduzir seus quadros de funcionários e fechar escritórios, o que pode ter diminuído sua capacidade de influenciar no processo de fiscalização. A economista diz que uma evidência que corrobora essa hipótese é que o número de inspeções trabalhistas não diminuiu após a reforma, mas houve uma mudança na sua distribuição geográfica. “A quantidade de inspeções é a mesma ao longo do tempo”, diz Kohli. “O surpreendente é que as inspeções aumentam em áreas mais próximas dos fiscais, e diminuem em regiões mais distantes”, destaca a pesquisadora. “E, de fato, eu encontro que a queda do emprego formal e o aumento do informal vêm dessas áreas mais expostas, dos lugares onde as inspeções diminuíram. Isso ajuda a fortalecer meu argumento.” ‘Reforma tirou o oxigênio do movimento sindical’ Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, conta que, na entidade que ele preside, o número de funcionários chegou a ser de mais de 600 antes da reforma trabalhista. Esse número caiu à metade disso nos anos seguintes à reforma, com a perda de receita. À época da reforma, uma pesquisa Datafolha mostrou que o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical dividia opiniões, com 46% contra o fim da obrigatoriedade, 44% a favor, 2% indiferentes e 8% sem opinião sobre o tema. “A reforma de 2017, além de desfigurar a CLT, tirou de forma abrupta o oxigênio advindo da contribuição sindical do movimento sindical em geral e dos comerciários de uma forma especial”, diz Patah, que também é presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Isso nos diminuiu, momentaneamente, a capacidade de fazer frente às demandas dos trabalhadores. Perdemos associados, deixamos de fazer uma certa prestação de serviços”, lembra o sindicalista, confirmando o que a pesquisadora da Duke University aponta em seu estudo. ‘A reforma de 2017, além de desfigurar a CLT, tirou de forma abrupta o oxigênio advindo da contribuição sindical do movimento sindical’, diz Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) — Foto: Wilson Dias/Agência Brasil Segundo o sindicalista, no setor de comércio a informalidade é uma questão muito relevante e os sindicatos têm papel ativo em denunciar casos de contratação informal, e outras violações das leis trabalhistas, junto à Justiça do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho. Na outra ponta, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP) rebate alguns dos argumentos do sindicalista e celebra a reforma. A federação que representa os empresários do setor considera que as novas regras trabalhistas não reduziram os custos de contratação, mas foram um avanço, por preservar um conjunto de direitos da CLT, mas permitir negociar alguns deles, como jornada de trabalho e bancos de horas, desde que com a participação dos sindicatos. As empresas reclamam, porém, que muitas regras aprovadas pela nova lei trabalhista continuam sendo questionadas na Justiça, gerando insegurança e custos. José Pastore, sociólogo e presidente o Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, também costuma argumentar que a reforma não vetou a contribuição sindical, mas só a tornou voluntária, um avanço considerado necessário num país onde o trabalhador não pode escolher entre vários representantes sindicais nem fundar seu próprio sindicato, se quiser. Patah afirma que o baque da reforma trabalhista foi temporário. Segundo ele, com o passar dos anos, as entidades sindicais têm conseguido se recuperar em parte daquele impacto inicial, buscando novas fontes de receita e estimulando a filiação voluntária de trabalhadores para compensar o fim da taxa obrigatória. Com isso, o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, por exemplo, conta atualmente com 470 funcionários, segundo o sindicalista, tendo reconstituído parte de seu quadro e da capacidade de atuação perdida logo após a reforma. O percentual de sindicalizados no Brasil, no entanto, segue em queda, ano após ano. Segundo dados do IBGE, a taxa de sindicalização entre os trabalhadores ocupados no país caiu de 16,1% em 2012, para 8,4% em 2023, com 8,4 milhões de sindicalizados naquele ano — menor patamar da série histórica iniciada em 2012. ‘Informalidade está aumentando em todo o mundo’ Nikita Kohli, da Duke University, destaca a importância de se entender melhor o papel dos sindicatos num mercado de trabalho como o brasileiro, onde a informalidade é elevada — uma característica dos países em desenvolvimento. Isso porque a maioria dos estudos feitos sobre o papel dos sindicatos refletem a realidade de países desenvolvidos, onde a informalidade é baixa. “A informalidade está aumentando em todo o mundo”, observa Kohli. “Há o trabalho por plataforma, que é um tipo de informalidade, e trabalhadores sem documentação e migrantes atuando em diferentes contextos. Então entender como os sindicatos interagem com a informalidade é algo extremamente importante”, considera a pesquisadora. Trabalho por plataforma é exemplo do avanço da informalidade no mundo, diz pesquisadora da Duke University — Foto: Getty Images Danilo Souza, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e também coautor de estudo sobre os efeitos da reforma trabalhista, avalia que o estudo de Kohli é bastante interessante e utiliza métodos de análise econômica de fronteira. Ele pondera, porém, que as mudanças trazidas pela reforma foram muito além da queda da contribuição sindical. E que as regiões mais ou menos sindicalizadas podem ter sido afetadas por outros pontos da reforma, como a redução da judicialização e as novas formas de contratação, como o trabalho intermitente, remoto e em tempo parcial. “É verdade, muitas coisas aconteceram na economia”, diz Kohli, respondendo à ponderação do professor da USP. “Mas cada uma dessas mudanças trazidas pela reforma deveria ter facilitado a contratação formal — não esperaríamos que levassem à redução da formalidade que eu observo. Comparo regiões mais e menos sindicalizadas — ambas são afetadas por todos os pontos da reforma, mas o que eu capturo é como elas responderam especificamente à perda de sindicalização”, diz a pesquisadora. Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca que o artigo de Kohli traz uma contribuição importante, ao mostrar evidências sobre o papel das inspeções no mercado de trabalho. Ele pondera, porém, que falta ao estudo uma discussão sobre os efeitos globais da reforma — o que em economia é chamado de equilíbrio geral. “Pode ser que a reforma tenha reduzido a contratação formal de mercados muito sindicalizados, mas isso significa que o efeito global foi de redução do emprego formal?”, questiona o economista. A pesquisadora afirma que, de fato, seu artigo não consegue tratar do equilíbrio geral, pois isso exigiria um modelo de análise e dados diferentes. Por fim, Kohli reforça a importância e o caráter surpreendente de seus resultados. “A reforma foi desenhada justamente para enfraquecer o papel dos sindicatos no processo de contratação formal”, observa a pesquisadora. “A ideia era que os sindicatos representavam uma rigidez nesse mercado de trabalho. Então, imaginaríamos que, se os trabalhadores formais ficassem mais baratos e os sindicatos fossem enfraquecidos ou deixassem de atuar com tanta força, o empregador formal pensaria: ‘agora posso contratar mais trabalhadores formais'”, diz ela. “O fato de que trabalhadores informais também se tornaram mais fáceis de contratar não era algo que se previa. Então isso me surpreendeu, porque esse é um efeito muito indireto [do enfraquecimento dos sindicatos pela reforma], porque trabalhadores informais não são sindicalizados — então é importante entendê-lo.” Pedidos de afastamento do trabalho por saúde mental aumentaram 168% em todo o estado

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