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Tintas feitas de terra e cinzas de queimadas: pintura de 600m² no centro de São Paulo homenageia Ari Uru-Eu-Wau-Wau

por Redação
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Ari era indígena, professor e conhecido por trabalhar registrando e denunciando crimes ambientais e contra seu povo. Ele foi morto em 2020. Ari Uru-Eu-Wau-Wau é homenageado em pintura de 600 m² no Centro de São Paulo
André D’Elia
Terra e cinzas de queimada da Amazônia foram matérias-primas para fabricação das tintas utilizadas em uma pintura com mais de 600 m², exposta no centro da cidade de São Paulo, que homenageia Ari Uru-Eu-Wau-Wau. A obra foi inaugurada no aniversário da cidade, na quarta-feira (25).
Ari era professor e conhecido por trabalhar registrando e denunciando extrações ilegais de madeira dentro da terra indígena onde vive o seu povo. Ele foi morto há quase três anos.
“Eu recebi o convite dos produtores do filme ‘O Território’. Topei na hora. Recebi com muito carinho essa oportunidade de fazer um trabalho que eu pudesse chegar perto e contribuir com o legado do Ari”.
A fala acima é de Mundano, de 36 anos. Ele se intitula como artivista: utiliza a arte para direcionar o olhar da sociedade para questões socioambientais do nosso país.
“A ideia era fazer um retrato de grandes dimensões em São Paulo para que pudesse levar para mais pessoas, tanto o caso do assassinato do Ari, também a história que se passa aí em Rondônia dentro do território e ao mesmo tempo pudesse ser meio que um ‘basta'”.
A pintura de Ari também tem o objetivo de fazer uma releitura da obra de Lasar Senegall, chamada “Bananal”.
Processo de produção
Pintura de 600 m² homenageia Ari Uru-Eu-Wau-Wau no centro de São Paulo
Com a ideia em mente, a questão se tornou escolher o prédio mais apropriado para a pintura. O local escolhido fica próximo ao Marco Zero, localizado em frente à Catedral da Sé, no centro da Cidade de São Paulo.
“Ela agora pode ser vista no Centro Histórico de São Paulo. E o mais legal: por ser o centro histórico, diversos guias e turistas diariamente andam por ali, então, a partir de agora, a história da cidade de São Paulo está sendo contada inclusive com a história do Ari”, aponta Mundano.
Na foto que foi utilizada como inspiração para a pintura, Ari está na floresta, segurando um tipo de ferramenta feita de madeira. A pintura de Mundano acrescenta à imagem de Ari, um grafismo tradicional do povo Uru-Eu-Wau-Wau em formato de “X” abaixo do peito.
Ari Uru-eu-wau-wau foi encontrado morto em RO
Reprodução/Kanindé
Trazendo ainda mais representação para a figura, Mundano decidiu utilizar terra da região do Marco Zero e cinzas de queimadas da Amazônia para produzir a tinta da pintura.
“Quando eu vi que boa parte do desenho eu ia estar usando marrom, me deu a ideia de fazer a pintura com terra. Então, no centro de São Paulo, no Marco Zero, eu recolhi essa terra e passei ela por filtragens, maceração até extrair esse pigmento que depois eu coloco verniz à base de água para ser o fixador. Então a representação do Ari é feita 100% com a terra e as cinzas da Amazônia”, descreve Mundano.
A tinta feita de cinzas também foi utilizada para escrever ao redor da pintura nomes de centenas de indígenas e ativistas que lutam pela proteção das florestas.
A obra que mede mais de 600 m² demorou nove dias para ficar pronta, com participação de mais quatro artistas: AFolego, Andre Hulk, André Firmiano e Everaldo Costa. Por conta da proporção da pintura, os artistas precisaram usar uma plataforma elevatória para alcançar toda área.
“São diversos desafios pintando uma obra desse tamanho. A altura, o tamanho em si, a própria tinta que é bem mais difícil de pintar e também a responsabilidade de fazer uma releitura de uma das obras mais importantes da história da arte brasileira. Mas o maior desafio pra mim, enquanto artista, foi de representar o Ari e tentar trazer a sua presença”, revela Mundano.
E a recepção do trabalho foi positiva e repercutiu. De acordo com Mundano, somente na quarta-feira (26), o vídeo sobre a arte alcançou mais de 1 milhão de visualizações. Além da pintura, diversos murais com a imagem de Ari foram espalhados por São Paulo e outros 20 estados.
“É uma obra histórica, no centro histórico de São Paulo, tentando fazer uma reparação aos povos originários que desde a invasão portuguesa sofrem massacre. Eu acho que a missão foi cumprida”, finaliza.
Morte e Legado
Ari fazia parte do grupo de monitoramento do povo indígena Uru-Eu-Wau-Wau e lutava combatendo os crimes cometidos contra seu povo e sua terra. Ele foi morto durante a noite de 17 de abril de 2020 e o corpo encontrado na manhã seguinte, com sinais de lesão contundente na região do pescoço, que ocasionou uma hemorragia aguda.
O suspeito foi preso somente dois anos depois do crime. As investigações da Polícia Federal (PF) concluíram, em 2022, que a morte do ativista “não tem ligação com crimes ambientais”. A versão não é aceita por indígenas e amigos de Ari.
Quase três anos após a morte do professor, seu nome continua a ecoar dentro e fora de Rondônia. Ele foi lembrado na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP26) na Escócia, durante discurso da ativista indígena Txai Suruí, em novembro de 2021.
Txai Suruí, ativista de 24 anos, fala na abertura da COP26
O documentário ‘O Território’
Ari também é parte importante na construção de “O Território”. O documentário mostra a luta de indígenas Uru-Eu-Wau-Wau pela defesa de suas terras. Durante 1h24m de duração, o público entra nas rotinas de Bitaté, um jovem Uru-Eu-Wau-Wau e da ativista Ivaneide Bandeira, conhecida como Neidinha. A morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau também é apresentada na obra.
“Para o meu povo assistir esse documentário hoje é muito forte porque ele [Ari] esteve presente no início. Lembrar é um furo no coração da gente”, diz Bitaté.
TI Uru-Eu-Wau-Wau
Mudança das florestas em volta da TI Uru-eu-wau-wau, entre 1984 e 2020
Google Earth/Reprodução
A Terra Indígena Uru-eu-wau-wau possui mais de 1,8 mil hectares e se espalha por 12 dos 52 municípios rondonienses. A maior parte do território fica em Guajará-Mirim (RO) e São Miguel do Guaporé (RO).
O território vive sob ameaças de grilagem de terras e desmatamento. Em 2021, a TI Uru-Eu-Wau-Wau foi a que teve o entorno mais desmatado, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Em 2021, a ativista Txai Suruí denunciou invasores destruíram um antigo cemitério indígenas na TI para criar gado. O cemitério para os povos indígenas é um local sagrado e o cenário de destruição encontrado chocou aqueles que vivem terra Uru-Eu-Wau-Wau.
Criação de gado em cemitério indígena da terra Uru-Eu-Wau-Wau
Redes Sociais/Reprodução
Povos de nove etnias vivem na TI, entre eles, diversos indígenas isolados. São eles:
Amondawa
Isolados Bananeira
Isolados do Cautário
Isolados no Igarapé Oriente
Isolados no Igarapé Tiradentes
Juma
Kawahiva Isolado do Rio Muqui
Oro Win
Uru-Eu-Wau-Wau

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