BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Salvaguarda. De longe esse é o termo mais discutido na Europa nesta quarta-feira (3), quando a Comissão Europeia iniciou a etapa final de aprovação do acordo União Europeia-Mercosul. É o item que fez a França ceder em sua oposição até então incondicional ao tratado. É também a arma que produtores e governos europeus terão contra a propalada virulência do agronegócio sul-americano, notadamente o brasileiro. Mecanismo típico do comércio internacional, a salvaguarda protege o país importador de flutuações bruscas no mercado que possam prejudicar a economia local ou seus agentes. No caso europeu, o receio é competir com o maior exportador de carne bovina e de aves do mundo, o Brasil. Não à toa, a lista de “produtos sensíveis”, no léxico dos negociadores europeus do tratado, começa com os dois itens. Açúcar e arroz também preocupam. A matemática é simples. Se um produto ou mercado sofre uma flutuação superior a 10% nas importações, para cima ou para baixo, em qualquer um dos 27 países do bloco econômico, uma investigação será lançada por Bruxelas. Para tanto, a UE promete um monitoramento “quase em tempo real” dos preços, de acordo com diplomatas. Além disso, com frequência regular, relatórios serão produzidos e levados ao Conselho e ao Parlamento Europeus. A preocupação é dirimir as críticas feitas por ruralistas do continente, que têm enorme penetração nos Legislativos nacionais, como ocorre no Brasil. Nada disso é novidade. O mecanismo está previsto no acordo assinado no fim do ano passado em Montevidéu pelos presidentes dos países do Mercosul e Ursula von der Leyen, chefe da Comissão Europeia. Esclarece-se agora o que o tratado não diz, o arcabouço legal com o qual as salvaguardas funcionarão no lado europeu. “Não estamos alterando o acordo, mas proporcionando muito mais transparência e um nível muito mais profundo de compromissos políticos e, no futuro, compromissos jurídicos para operacionalizar a proteção aos produtores”, afirmou um integrante da Comissão. Outro aceno aos ruralistas é a garantia de que a legislação europeia não será flexibilizada para acomodar produtos sul-americanos que não alcancem os rigorosos padrões sanitários exigidos pelo continente. Foram insistentemente citadas exigências relacionadas ao uso de pesticidas e bem-estar animal. Inspeções sanitárias que já ocorrem regularmente serão intensificadas. A Comissão espera que os dois lados do tratado trabalhem em conjunto para uma eventual harmonização de regras. Um arcabouço complexo para quotas de importação que equivalem a margens mínimas da produção europeia, pelo menos no caso das carnes (1,5% na bovina e 1,3% em aves). Boa parte do discurso em Bruxelas foi concebido para superar resistências internas. Se a aprovação no Conselho de Ministros, primeiro passo da reta final na burocracia europeia, parece garantida depois que a parte não comercial do tratado foi destacada para viabilizar sua tramitação, a aprovação por maioria simples no Parlamento Europeu promete ser mais complicada. Parlamentares nacionalistas e de extrema direita em geral há tempos se apropriam das bandeiras ruralistas em busca de dividendos eleitorais. Terão a rara companhia dos Verdes e partidos de centro, que por seu turno se preocupam com a eventual fragilização do rígido regramento ambiental europeu. Há muito em jogo na ofensiva europeia. O acordo com o Mercosul tem potencial para mitigar um terço do prejuízo esperado pelo continente com as tarifas americanas, de 15% na maioria dos produtos de acordo com os termos da negociação atual. E conta com inúmeras adesões do setor industrial. “Apoiamos totalmente. A UE se beneficiou muito com a abertura dos mercados ao longo de décadas”, declarou ao Financial Times Ola Källenius, CEO da Mercedes-Benz e presidente do sindicato de montadoras da Europa. O entusiasmo é facilmente explicado. A exportação de veículos, tarifada em até 35% pelo Mercosul atualmente, cairá para zero em alguns casos.
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