Ontem, 25 de abril na 36ª reunião, extraordinária realizada, a CDH (Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa) aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC 23/2016) que assegura as pessoas com perda auditiva em apenas um dos ouvidos, o mesmo acesso a direitos já assegurados às pessoas com deficiência.
Mas porque a CDH aprovou esse projeto?
Nos termos do “art. 102- E” do Regimento Interno do Senado Federal, compete à CDH opinar sobre proposições que tratem da proteção e integração social das pessoas com deficiência, ou seja, por isso a aprovação do PLC nº 23.
Caro leitor, você há de concordar comigo que esse é um assunto bem polêmico. Ou seja, pra o “Mão na Roda”, um assunto “bom demais da conta”!
Por gentileza permita-me lembrá-lo quem é considerado pessoa com deficiência.
Segundo o art. 2º da Lei 13146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O Estatuto da Pessoa com deficiência foi instituído e destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
O que é surdez unilateral?
Qualquer pessoa que possui perda completa da audição em um dos ouvidos e audição normal do outro lado. Assim, surdez unilateral é o termo para designar esse grupo de pessoas.
Quais os prejuízos da surdez unilateral?
A surdez unilateral pode passar desapercebida e aparentemente não causar grande desconforto para muitos pacientes. Não é raro encontrarmos pessoas que, tendo nascido com audição em apenas um dos ouvidos, vieram a descobrir isso apenas bem mais tarde. Mas independente da causa da surdez unilateral, hoje existem diversos estudos evidenciando os prejuízos dessa condição. Por exemplo, dificuldade de ouvir em situações específicas, localização da fonte sonora, compreensão da fala em ambientes ruidosos como estádios de futebol.
Sem dúvida, uma das principais inovações do Estatuto da Pessoa Com Deficiência foi o ajuste do conceito de pessoa com deficiência ao parâmetro estabelecido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Alinhado a essa redefinição conceitual, concebeu um mecanismo inteligente de avaliação da deficiência. Representando o que há de mais avançado em termos de legislação direcionada para as pessoas com deficiência a Lei 13146/2015 incorpora conceitos já amplamente reconhecidos pelas normas internacionais, por exemplo, o uso eficaz das tecnologias assistivas e, o desenho universal.
Até aqui tudo lindo… Agora, responda-me, você acha justo uma pessoa que não possui audição em um dos ouvidos, ser considerada pessoa com deficiência? Seja sincero, vai…
O que a lei diz sobre isso? Compreenda.
A alínea “b” do §1º do art. 5º restringe a deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
Como resumir isso de modo mais simples?
Bom… Embora a perda auditiva unilateral constitua uma deficiência auditiva, a mesma não se enquadra na definição técnica contida no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, não sendo assim considerada, portanto, para os efeitos da aplicação do referido decreto. Por esse motivo, o projeto de lei pretende corrigir esse “equívoco” do poder regulamentar.
Como é realizada a avaliação pra saber se a pessoa se enquadra nos requisitos do Estatuto da Pessoa com Deficiência?
Ainda de acordo a Lei 13146/2015, especificamente no art. 2º que citei no início da nossa conversa, essa avaliação da deficiência precisa ter caráter biopsicossocial e será realizada por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar.
A deficiência é um conceito em evolução, ou seja, decorre de condições particulares de indivíduos em interação com barreiras existentes na sociedade. E é exatamente por ser um conceito em evolução, o nosso sistema jurídico buscou afastar o risco de engessamento das tipologias de deficiência, característico da normatização anterior sobre a matéria.
Caro leitor, a realidade é que os critérios “pré-estabelecidos” exclusivamente biomédicos não são suficientes para a compreensão da condição de deficiência. O motivo? Existem milhares de pessoas com deficiência que, por não se encontrarem “protegidas” pelo “guarda chuva” do Decreto nº3.298/1999, têm de recorrer à justiça se quiserem ver o reconhecimento de sua real condição, por exemplo, as pessoas com deficiência auditiva unilateral, que não são consideradas pessoas com deficiência pelo referido decreto, apesar de enfrentarem barreiras quotidianamente. A falta de reconhecimento de sua condição pelo Estado priva direitos a essas pessoas como o acesso a uma série de medidas inclusivas, compensatórias e de promoção da igualdade de oportunidades. O Projeto de Lei da Câmara (PLC 23/2016) defende a tese de que Decreto nº 3.298/1999, está em desarmonia com a LBI – Lei Brasileira de Inclusão.
Qual o principal objetivo da aprovação do PLC 23/2016?
Equacionar esse problema oferecendo uma solução mitigando os prejuízos que a demora na regulamentação dos instrumentos de avaliação da deficiência causa às pessoas com deficiência auditiva unilateral. Portanto, a equidade e o bom senso sugere a aplicação subsidiariamente do Decreto nº 3.298, de 1999, como uma norma residual, propensa à extinção, o que deverá ocorrer uma vez definitivamente regulamentado o art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Concluindo… foi apresentada uma emenda de redação com o objetivo de eliminar dúvidas sobre o que venha a ser a perda auditiva unilateral para os fins da proposição. A perda auditiva unilateral será total, ou seja, consistirá na limitação da audição unilateral em apenas um dos ouvidos, impossibilitando a decodificação da fala. Além disso, sugeriu no mérito, também mediante emenda, uma regra de transição, de forma a ratificar o entendimento de que o reconhecimento da deficiência ora proposto é dotado de caráter temporário.
Com a aprovação do PLC 23/2016, a pessoa com deficiência auditiva unilateral poderá ter direito à reserva de vagas em concursos públicos e à Lei de Cotas (8.213/1991), que determina a contratação de percentuais variados de pessoas com deficiência por empresas, proporcionalmente ao número de empregados. Atualmente, o Decreto 5.296/2004 restringe a deficiência auditiva à perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz.
Assim a aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 23, de 2016, sugere as seguintes emendas nos artigos 1º e 2º: “A deficiência auditiva é a limitação de longo prazo da audição, unilateral total ou bilateral, parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas (…).”. “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência até que sejam criados e devidamente implementados os mecanismos de avaliação previstos no art. 2º, § 2º, da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015.”
Surdos unilaterais podem ser considerados Pessoas Com Deficiência, segundo um projeto de lei
postagem anterior